Crise da Dívida Externa e Derrocada Econômica do Regime Militar Ditatorial no Brasil at Fernando Nogueira da Costa.
Claudia Safatle (Valor, 10/08/12) documentou um momento histórico marcante: a crise da dívida externa e a derrocada econômica do regime militar ditatorial no Brasil. Foi seu fim, deixando como herança maldita o regime de alta inflação.
Foi também quando o povo, definitivamente, perdeu o medo da força
militar, indo às ruas para a Campanha das Diretas Já. Um pacto entre
elite e contra-elite fez a transição “por cima” para regime democrático.
O amadurecimento democrático ocorreu quando houve o impeachment
do primeiro presidente da República eleito por voto direto após a
ditadura. Depois da era neoliberal, o eleitorado brasileiro finalmente
optou por Governo democrático e popular em 2002. Depois, a evolução
socioeconômica brasileira superou aquelas duas décadas perdidas!
Mas vale a pena recordar, “eu era infeliz… e sabia!”
Sexta feira, 13 de agosto de 1982. Na tarde seca de Brasília, o chefe
do departamento de operações das reservas internacionais do Banco
Central (BC), Carlos Eduardo de Freitas, recebeu um telex de uma agência
internacional com a notícia de que o governo do México acabava de
decretar a moratória da dívida externa. Com o papel na mão, ele subiu às
pressas para a sala do diretor da área internacional do BC, José Carlos
Madeira Serrano, abriu a porta e soltou um palavrão: “F…!” O diretor
leu o telex e disparou: “PQP! Tenho que avisar o Galvêas!”
A dramaticidade do evento justificava o vocabulário: há 30 anos, o
Brasil quebrou. Começou ali a longa e terrível crise da dívida, a
“década perdida”, o fim do modelo de crescimento vigoroso do país,
sustentado no endividamento externo e na substituição de importações. A
mãe de todas as crises que o Brasil veio a viver depois. Algo só
comparável à agonia dos países da zona do euro hoje.
A moratória mexicana, precedida da Guerra das Malvinas (disputa entre
a Argentina e a Inglaterra pelas ilhas Malvinas), contaminou todos os
países endividados. O governo brasileiro, no entanto, acreditou que
ainda seria possível evitar o desastre. O ministro da Fazenda, Ernane
Galvêas, seguiu em setembro para a reunião do Fundo Monetário
Internacional (FMI), em Toronto, no Canadá, confiante em que o Fundo
decidiria criar uma linha de financiamento emergencial que estava em
discussão, de US$ 25 bilhões, e que poderia chegar a US$ 100 bilhões,
para socorrer os países afetados pelo endividamento.
A reunião de Toronto foi um fiasco. Nem o FMI nem os bancos privados nem os governos avançaram na construção de saída alguma.
Galvêas só ficou sabendo naquela reunião que o Brasil “era a bola da
vez”, que quebraria. “Não tínhamos ideia da repercussão da moratória do
México. A Polônia já estava em moratória, a Argentina também. Estávamos
sentindo os problemas, mas não tínhamos a extensão do prejuízo. Foi
quando o Edmond Safra [o banqueiro, morto em 1999] me falou: ‘Galvêas,
você vai levar um tranco pra valer. Se previna, porque os bancos não vão
mais lhe dar dinheiro’ “.
O clima havia mudado radicalmente. O Brasil não seria mais aquele
país que crescia a taxas de “milagre” econômico. O diretor do BC,
Serrano, após a reunião de Toronto, comentou com Freitas: “Há um ou dois
ano éramos cortejados. Agora somos evitados. A gente chega numa
rodinha, num coquetel, e a rodinha se desfaz”.
Galvêas saiu à procura dos banqueiros, mas não conseguiu sequer saber
se eles estavam no Canadá. Cancelou viagem que faria à Suécia e pegou a
mala para Nova York. Lá também ficou a ver navios. Não obteve sucesso
na busca dos dirigentes dos principais bancos credores e retornou a
Brasília.
A crise, que começou em agosto e evoluiu para o “Setembro Negro” – em
referência à desastrosa reunião do FMI/Banco Mundial de Toronto – levou
à bancarrota os países da América Latina, do Norte da África e do Leste
Europeu. Ou seja, todos que se aproveitaram da enorme liquidez dos
petrodólares (gerada pelo aumento de preços do petróleo em 1973) para
tomar empréstimos a juros baixos, porém flutuantes, no mercado
financeiro internacional e financiar o desenvolvimento.
Só então Galveas relatou o tamanho da encrenca ao presidente da
República, general João Batista Figueiredo. Hoje, aos 90 anos, ele
rememora a reação do último presidente da era militar: “PQP! E o filho
da p… do Geisel me botou aqui por seis anos!” Antes, o ex-ministro
explicou: “O Figueiredo gostava de falar palavrões”.
O prenúncio do colapso vinha de antes, de 1979, quando houve uma nova
rodada de aumento de preços do petróleo – a cotação média do barril/FOB
saiu de US$ 12,44 para US$ 34,43 entre 1978 e 1981 – e um salto nos
juros internacionais, que subiram de uma média anual de 7,5% em 1977
para 20,18% em 1980.
O baque no balanço de pagamentos do país foi brutal. Os gastos com as
importações de petróleo mais do que duplicaram, de US$ 4,1 bilhões em
1978 para US$ 10,6 bilhões em 1981. A conta de juros saiu de US$ 3,3
bilhões em 1978 para US$ 10,3 bilhões em 1981. O déficit em transações
correntes subiu de US$ 11,4 bilhões em 1981 para US$ 16,3 bilhões em
1982, equivalentes a 6% do PIB. E a dívida externa brasileira, quase
toda contratada a taxas de juros flutuantes, passou de US$ 43,5 bilhões
em 1978 para US$ 61,4 bilhões em 1981, US$ 70,2 bilhões em 1982 e US$
81,3 bilhões em 1983.
Isso ocorreu justamente quando estavam a meio caminho grandes
investimentos, financiados com empréstimos internacionais. O governo do
general Ernesto Geisel havia optado pelo crescimento com endividamento
externo, para enfrentar a primeira onda de choques do petróleo, em 1973.
Aquela foi uma decisão polêmica, cuja fatura caiu no colo de
Figueiredo, ao mesmo tempo em que ele cumpria o cronograma da abertura
democrática que entregaria a Presidência da República a um civil.
A mega-hidrelétrica de Itaipu estava em construção com financiamento
externo. O general Costa Cavalcanti, diretor-geral da usina, fazia e
refazia os cálculos: com juros que para aquele financiamento já
superavam 24% ao ano, ela ficava inviável.
“Ficou muito pesado, realmente”, comentou Galvêas. “Teve ano em que
pagamos em petróleo e juros mais do que o total das exportações. Não
sobrava um tostão para mais nada.”
Ao mesmo tempo, a inflação galopava: havia sido de 110,2% em 1980, de
95,2% em 1981 e 99,7% em 1982. Em 1980, o então ministro do
Planejamento, Delfim Netto, prefixou a correção monetária e cambial em
50%, numa tentativa malsucedida de administrar as expectativas
inflacionárias.
Informado da falência do país, Figueiredo convocou uma reunião do
gabinete, a pedido do ministro da Fazenda. Foram chamados os ministros
militares e os da área econômica. O presidente tomou uma decisão
política. Era preciso recorrer ao FMI para que este avalizasse, com um
acordo, a renegociação da dívida com os bancos credores privados. Mas
isso só seria anunciado depois das eleições de novembro de 1982, as
primeiras diretas para governadores e para o Congresso no regime
militar. Recorrer ao FMI era visto como algo danoso demais para a
soberania do país.
Galvêas relembra: “Nessa reunião, eu disse: ‘Estamos muito mal.
Estamos quebrados e não temos saída. Temos que desvalorizar o câmbio e
suspender os pagamentos’”. Para não fazer a mera suspensão dos
pagamentos do serviço da dívida, o governo tentou montar uma operação de
crédito com Tony Gebauer, do J. P. Morgan, e com Bill Rhodes, do
Citibank, mas muitos bancos não desembolsaram os recursos.
Ainda na reunião do gabinete, Galvêas prosseguiu explicando: “Vamos
ter que raspar tudo que tivermos. Precisamos importar petróleo,
precisamos pagar os diplomatas, tem dívida, tem os juros. Vou negociar
com o FMI e com os bancos, mas vamos ter que raspar tudo e até vender
ouro”.
Após essa comunicação, durante uma audiência para despachos com
Galvêas, Figueiredo desabafou: “Largaram os Quatro Ccavaleiros do
Apocalipse em cima do meu governo! Eu não mereço isso! Só falta uma
praga de gafanhotos!” Galvêas respondeu: “Calma, presidente, a gente vai
dar um jeito”. O ex-ministro recorda que saiu do Palácio do Planalto,
entrou no carro para voltar ao Ministério da Fazenda. “Perguntei ao
Maurício, que era meu chofer, se ele tinha um jornal para eu ler. Ele
era de Mato Grosso e me deu um jornal de Cuiabá, cuja manchete era algo
assim: ‘Nuvens de gafanhotos da Bolívia invadem o Mato Grosso’. Eu
disse: ‘Maurício, vamos voltar ao palácio’. Galvêas retornou à sala de
Figueiredo e falou: “Presidente, não falta mais nada. O senhor queria
uma praga de gafanhotos e ela está aqui”. Figueiredo riu.
O pesadelo de Figueiredo começou em 1979, quando o presidente do
Federal Reserve, Paul Volcker, deixou a reunião do FMI em Belgrado
(ex-Iugoslávia), voltou para os Estados Unidos e deu uma pancada na taxa
de juros para conter a inflação americana. Alí o governo viu que a
situação do Brasil era periclitante.
Tão logo assumiu, em março de 1979, Figueiredo foi alertado pelo
ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, de que o país estava à
beira da bancarrota; poderia entrar em colapso cambial a qualquer
momento. Bastava os bancos internacionais travarem o crédito. Simonsen
teria apresentado um duro plano de ajuste a Figueiredo, que não o
aprovou, levando o ministro a se demitir.
Delfim Netto conta que, quando foi convidado a deixar a pasta da
Agricultura e assumir o comando da economia, em agosto de 1979, em
substituição a Simonsen, disse ao presidente da República: “O senhor
sabe que o Brasil está quebrado, não é?”. Figueiredo teria dito, segundo
seu relato: “É, sei. O Geisel fez o pinto botar um ovo de avestruz.
Agora vai lá e costura”.
Ainda nesse mesmo ano, os bancos credores provocaram um sobressalto
no governo ao frear os empréstimos externos ao país. Galvêas teve que
negociar um empréstimo-jumbo de US$ 1,2 bilhão durante a reunião do FMI,
destinado ao Proálcool. No fim de 1979, o governo fez uma
maxidesvalorização do cruzeiro (a moeda da época) de 30%. Desacompanhada
de uma política monetária restritiva, essa depreciação se perdeu.
No início de 1980, havia sinais de que a Polônia quebraria, assim
como outros países do Leste Europeu. “Eu era chefe de gabinete da
diretoria da área externa do Banco Central e conseguimos travar todo o
dinheiro novo de financiamento a exportações para a Polônia, que
quebraria em 1981″, conta Freitas. Ficaram as “polonetas”, que só foram
quitadas anos depois.
Vivia-se aos solavancos. O mercado financeiro internacional se
retraiu, secando os créditos para o Brasil. No Banco Central,
pedalava-se uma bicicleta todos os dias e o dia todo. Se a Petrobras
tinha uma linha de crédito externo, o BC pegava emprestado. Se havia
moeda estrangeira no Banco do Brasil (BB) ou no Eurobras, era lá que
Freitas passava o chapéu. “Usamos as linhas de financiamentos da
Petrobras, do BB, mas ainda havia alguma captação.”
Responsável pelos pagamentos externos e vendo as dificuldades que se
avizinhavam, no fim de 1980, Freitas preparou uma nota técnica para a
diretoria do BC sobre como atravessar o ano de 1981. “Aí comecei a ser
objeto de gozação. Abria a porta do gabinete do Serrano e era enxotado:
‘Lá vem o urubu’, ele dizia.”
“Em abril de 1981, a coisa já estava muito ruim. Fiquei em cima do
Serrano para que ele fizesse uma linha direta minha com o Eduardo de
Castro Neiva, vice-presidente da área externa do BB. Se eu ficasse sem
um tostão o BB tinha caixa lá fora. Naquela época, não havia celular,
bip nem fax. Era telex. Mostrávamos que o mundo ia acabar, mas o Serrano
não me dava bola. Na antevéspera de embarcar para a Europa, ele falou
com o Neiva e tudo mais, mas acabou entrando dinheiro.”
Em julho de 1981 o país teve o primeiro “AVC”. As reservas em moeda
estrangeira simplesmente acabaram. Não havia mais dinheiro para dar
cobertura cambial. “Fui para a sala do Serrano com minha adjunta, a
Ledir de Paula Reis. Ao ouvir que estávamos a zero e percebendo que não
tinha me dado ouvidos, ele me deu uma bronca monumental. Dessa vez eu
perdi o controle. Ele pediu para a Ledir sair. Eu disse: ‘Estou te
falando há um ano e agora você vem me dizer ‘ninguém me avisa nada!’ Ele
era temperamental, mas extremamente bondoso.”
Até o início da Guerra das Malvinas, em maio de 1982, o país
continuou captando recursos no mercado internacional, mas essas
captações eram menores do que os recursos necessários para rolar a
dívida.
“Eu manobrava as reservas cambias. Aplicava parte das reservas no
Banco do Brasil. Pegava as linhas de crédito que o BB captava no
exterior, depositava nele mesmo e girava o dinheiro com velocidade. Como
era o conceito de reserva bruta, ela aumentava. Não podíamos deixar
transparecer ao mundo que estávamos quebrados. Mas eu não podia sacar
tudo do Banco do Brasil. Ele não aguentaria, não fecharia a
compensação”, contou Freitas.
O Banco do Brasil, no entanto, também começou a ter problemas com o
início da guerra. “Aí fizemos um sistema de caixa único com o BB: o que é
meu é seu e o que é seu é meu. Se eu tinha dinheiro, passava pra ele.
Se ele tinha, passava pra mim. Todo dia eu fechava meu caixa junto com o
Antonio Machado de Macedo, que era diretor das agências externas do BB.
Eu ficava discutindo com o Macedo, queria o dinheiro dele. Ele dizia
que não tinha, que ia quebrar.”
Entre junho e julho de 1982, houve uma corrida para os depósitos
interbancários dos bancos brasileiros no exterior – sobretudo, os
oficiais Banco do Brasil e Banespa. Os bancos brasileiros captavam no
mercado externo com prazo de 180 dias e emprestavam para o Brasil a 8
anos. Era uma forma de a instituição estrangeira emprestar para o
Brasil, mas constando como sendo risco Estados Unidos.
Nesse momento, já no início do segundo semestre, o governo brasileiro
tentou, sem muito sucesso, montar uma operação de financiamento com os
principais bancos credores – J.P. Morgan, Citibank. Chemical Bank, Bank
of America, Bankers Trust, com o inglês Lloyds Bank.
Amigo de Jesuz Herzog, ministro das Finanças do México, com quem
estudou nos anos 1950, Galvêas mantinha estreito contato com ele. “Eu
falava com o Herzog todos os dias e ele me dizia: ‘Vocês se preparem aí,
que nós estamos em grandes dificuldades. Falei com o Bill Rodhes e ele
recomendou: ‘Não façam moratória de jeito nenhum, vamos arranjar um
jeito, entra no Fundo Monetário’ “. Quando decidiu pela moratória,
porém, Herzog não avisou Galvêas.
O FMI acompanhava de perto toda essa situação. No início de julho,
quando uma missão técnica do Fundo preparava sua vinda ao Brasil, o
vice-diretor gerente do FMI, William Dale, num “briefing paper”,
salientou que o prognóstico para o Brasil começava a ficar “sinistro”.
Mas, para tudo o que se fosse fazer, era preciso esperar as eleições de
novembro.
A ordem do governo para o Banco Central era não demonstrar
fragilidade. Os funcionários da casa saiam pelo mundo para descontar
papéis e trazer moeda estrangeira. Numa dessas viagens, o chefe do
departamento jurídico do BC, Diógenes Setti Sobreira, foi para Chicago
para, junto ao First Chicago, descontar um título da Cacex (Carteira de
Comércio Exterior do BB). Não conseguiu.
Telefonou para o chefe do departamento de operações de reservas
internacionais, que contava com aquele dinheiro para fazer pagamentos, e
contou que não havia conseguido. “Eu disse: ‘Sobreira, você tem que
fazer’”, contou Freitas. Ele retrucou: “Carlos, agora só se eu assaltar o
banco”. Eram papéis que não faziam sucesso algum. Por exemplo, um
financiamento à exportação da Embraer para a América Central, para a
África. “Naquela época, tinhamos que mostrar que aquele negócio que nós
produzíamos voava”, lembrou Freitas.
À mingua e a espera das eleições, o governo contava com dinheiro de
empréstimos-ponte dos bancos, que não vinham. O Lloyds Bank – o maior
credor fora dos Estados Unidos – dizia às autoridades americanas que
ajudaria, mas só quando o Brasil tivesse um acordo com o FMI. O Citibank
– o maior credor do país – ameaçava pular fora, retirar todos os seus
recursos do Brasil.
Anthony Solomon, presidente do Federal Reserve de Nova York, chamou
os principais banqueiros para uma reunião em seu apartamento na Park
Avenue, em Manhattan. Lá estavam Paul Volcker, presidente do Fed, Lewis
Preston e Tony Gebauer, do Morgan Guaranty, Walter Wriston e William
Rhodes, do Citi, Beryl Sprinkel, do Tesouro, e Jacques de Larosière,
diretor-gerente do FMI. Segundo documento do FMI, o governo americano
começou a agir porque temia que uma ação precipitada e caótica dos
bancos privados desencadeasse uma crise sistêmica. Os banqueiros foram
aconselhados a participar de um “advisory committee”, para tentar
estabilizar os fluxos de recursos para o Brasil.
Passadas as eleições – em que a oposição teve um desempenho
espetacular – o governo anunciou oficialmente que negociaria um acordo
com o FMI. Ao mesmo tempo, buscava um empréstimo de curto prazo com os
bancos privados credores, de US$ 2,4 bilhões. Os banqueiros ainda
estavam relutantes.
Em outubro e novembro daquele ano, o Tesouro americano fez,
secretamente, um adiantamento de US$ 1,25 bilhão ao Brasil. Em dezembro,
foram mais US$ 250 milhões. O governo americano tomou a frente e também
convenceu o Banco de Compensações Internacionais (BIS) a comparecer com
US$ 1,2 bilhão, a título de empréstimo-ponte, até que se concluísse as
negociações com o FMI e este liberasse o empréstimo. Em 12 de dezembro, o
Banco do Brasil em Nova York não conseguiu fechar a compensação.
Faltaram US$ 50 milhões. Foi uma correria, para juntar os dólares
rateados entre o Citibank, o Morgan e o Bankers Trust.
“Me lembro que, um dia, liguei para o Orlando Galvão, que era o chefe
da área financeira da Petrobras, e comecei com a conversa de ‘cash
flow’ “, relatou Freitas. “Disse a ele que essa época do ano era a pior
para mim, por que não sei o quê… E ele falou: ‘Carlos Eduardo, para. A
pior fase pra você é o ano todo’. Essa frase ficou na minha cabeça.”
A negociação de um acordo com o FMI (uma “extended fund facility”)
era a premissa que abriria as portas para um pacote de socorro
financeiro de cerca de US$ 12,7 bilhões, em 1983.
No dia 6 de janeiro daquele ano, Galvêas e Carlos Geraldo Langoni,
presidente do Banco Central, assinaram a carta de intenção em que se
requeria, formalmente, o apoio do FMI a um programa de ajustes. Para o
governo brasileiro, a principal meta era aumentar o superávit comercial
de menos de US$ 1 bilhão em 1982 para US$ 6 bilhões em 1983. O FMI
queria o compromisso do governo de reduzir a inflação de 100% em 1982
para 70% em 1983 e para 40% em 1984; a redução do déficit público de 14%
do PIB em 1982 para 8% do PIB em 83; corte dos subsídios; aumento da
taxa de juros e desindexação dos salários para controlar a inflação.
O centro das preocupações do governo era o balanço de pagamentos. A
inflação, em 1982, medida pelo IGP-DI, fechou em 99,7%. Com o sistema de
indexação geral, o FMI não via como combater a inflação e insistia no
corte do regime de correção para os salários. Diante da pressão, o
governo editou, em meados de 1983, o decreto 2.045, limitando a
indexação salarial a 80% da inflação.
Para acompanhar o debate da política salarial no Congresso, o FMI
quis enviar um representante que moraria em Brasília. O governo não
aceitou a ideia, por que daria mais munição à oposição, já vitoriosa nas
eleições de 1982.
Era preciso desvalorizar o cruzeiro novamente, para equilibrar as
contas do balanço de pagamentos, mas foi uma peleja arrancar a
maxidesvalorização de 30% do presidente Figueiredo. Galvêas disse: “O
Figueiredo não queria fazer a desvalorização, porque ia aumentar o preço
do trigo. O Delfim defendia só 10%, que era o máximo que o Figueiredo
aceitava. Pedi ao Delfim para termos um encontro no Rio, durante a
semana, e chamei o Serrano. Tínhamos que fazer alguma coisa. A reunião
foi no gabinete do Delfim. Ele me disse que já tinha falado com o
Figueiredo e que ele não aceitava a maxidesvalorização de 30%. Eu
insisti que tinha que ser 30%, que só 10% não daria um choque pra
valer”.
No sábado, Galvêas teve um encontro com o presidente, na Granja do
Torto, em Brasília, e argumentou: “Presidente, não tem saída”.
Figueiredo reagiu:
- Você e o Delfim só fazem coisas pra arrasar com o meu governo!
-Nós vamos juntos, presidente. Vamos juntos, respondeu o ministro.
Segundo Galvêas, Figueiredo acabou concordando: “Você e o Delfim decidem”.
Em fevereiro de 1983, houve a desvalorização de 30% do cruzeiro.
“Você vai ver pelas estatísticas como é desesperador reduzir as
importações à metade, de US$ 22 bi para US$ 10 bi. É um negócio
trágico”, comentou o ex-ministro da Fazenda.
O acordo com o FMI já estava assinado quando foi decretada a
maxidesvalorização. O Fundo não foi informado da decisão e o acordo,
recém-celebrado, já não valia nada. O ex-ministro do Planejamento,
Delfim Netto, explicou ao Valor: “Eu não avisaria sobre o que faríamos com o câmbio porque o Fundo avisaria os outros. Eles são especuladores. Compram papéis”.
Em 1983, a inflação chegou a 211%, fazendo descarrilar as demais
metas acertadas com o FMI. Foram muitas idas e vindas para renegociar o
acordo firmado em fevereiro. Com os bancos, as conversas prosseguiam.
“Assinamos o acordo com o FMI e com os bancos credores, envolvendo
apenas as amortizações da dívida externa vincenda em 1983. Esse acordo
não resolvia nada, porque não tinha dinheiro novo”, comentou Freitas.
Exatamente quando as autoridades da área econômica do governo estavam
em Washington, para assinar formalmente a carta de intenção com o
Fundo, em fevereiro de 1983, as reservas cambiais secaram e o BC teve
que atrasar os pagamentos externos. Eram pagamentos de importação e de
linhas de crédito. Não havia mais crédito para ninguém. Nem para o BB
nem para o Banespa em Nova York.
Era preciso organizar uma fila de pagamentos externos. À medida que
fossem entrando recursos, o BC faria os desembolsos para os credores
internacionais. Foi feita, então, a centralização do câmbio, instituída
pela resolução 851, de 29 de junho de 1983. As dívidas que as empresas
privadas tinham no exterior foram “estatizadas”. Elas pagavam ao BC e
este só fazia as remessas aos credores se tivesse moeda estrangeira.
“Estávamos em uma moratória branca”, admitiu Galvêas
Os bancos credores criaram o “liaison committee” (comitê de ligação),
que faria o elo com os 650 bancos credores do país. Esse comitê marcou
um encontro em Londres para discutir a crise brasileira. Era preciso que
uma autoridade do governo comparecesse. Delfim Netto não poderia ir.
Galvêas também não iria. Langoni, presidente do BC, não podia
comparecer, nem o diretor Serrano.
“Fomos eu, o Alberto Furuguem, chefe do departamento econômico do BC,
Hélio Rebello, também do BC, e um diretor da Cacex. Passamos em Nova
York para fazer um ensaio geral da exposição ao Citibank e ao Morgan.
Éramos o terceiro time”, contou Freitas.
Na sala de convenções do Hotel Dorchester, em Londres, Freitas
apresentou uma projeção realista do balanço de pagamentos e mostrou a
premente necessidade de dinheiro novo. Aquela missão ganhou uma crônica
divertida de Carlos Eduardo Novaes, com o título “Os Irmãos Máxis”, que
Freitas guarda até hoje.
“Me lembro que um banqueiro me disse: ‘Olha, o que o senhor nos disse
hoje não é agradável de se ouvir. Mas é melhor termos a dimensão clara
do problema, que faça sentido, para não acharmos que é muito pior’ “.
Faltava, porém, uma organização melhor dos bancos credores. Como
estava, o processo não evoluia. O presidente do Banco Central da
Inglaterra, Gordon Richardson, sugeriu que Bill Rhodes, do Citibank e
velho conhecido do governo brasileiro, coordenasse um novo grupo, o
“advisory committe” (comitê assessor) que assumiria as rédeas das
negociações com o Brasil até o fim. No dia 15 de junho de 1983, esse
comitê fez sua primeira reunião em Nova York.
Enquanto isso, Delfim Netto foi a Paris conversar com De Larosière.
Disse ao diretor-gerente do FMI que, além dos recursos do Fundo, o
Brasil precisava de mais US$ 9 bilhões para fechar as contas do balanço
de pagamentos naquele ano. De Larosière falou com Bill Rhodes, que
avisou: os bancos privados não chegariam a um aporte nem próximo daquele
valor.
No fim de 1982, o Fed teve que entrar pesado para o BB não quebrar. O
Citi e o Morgan passaram a gerenciar uma rede de segurança para que
nenhum banco brasileiro quebrasse na compensação. Na hora da
dificuldade, o Fed persuadia os bancos a aportarem recursos. “Paul
Volcker tinha no bolso do paletó o fluxo de caixa do Brasil”, registrou
Freitas. O presidente do Fed acompanhou cada passo e manobrou com
habilidade para evitar problemas maiores para os bancos americanos.
Como o dinheiro que entrava no país não era suficiente para o governo
pagar seus compromissos no exterior, Galvêas foi a Nova York para uma
conversa com os bancos. “Fizemos a rede de segurança. Dez bancos
americanos entraram, cada um, com US$ 40 milhões, renováveis todos os
dias. Era com isso que fechávamos a câmara de compensação do Banco do
Brasil em Nova York.”
Naquele ano, o Brasil obteve cerca de US$ 3,7 bilhões em
empréstimos-ponte, sendo US$ 2 bilhões dos bancos comerciais e o
restante de fontes oficiais.
Em dezembro de 1982, o governo brasileiro pediu aos bancos comerciais
o comprometimento com o programa de financiamento do Brasil para o
exercício seguinte. Era uma estratégia de adesão voluntária, que
abarcava quatro projetos. O projeto 1 envolvia novos empréstimos em
moeda, no valor de US$ 4,4 bilhões; o projeto 2, amortização da dívida
externa, em 1983, no valor de US$ 4,3 bilhões; o projeto 3 correspondia a
linhas de crédito comercial de curto prazo; e o projeto 4, a linhas de
crédito interbancário. Nesses dois últimos, que somavam US$ 10,4 bilhões
e US$ 6 bilhões, respectivamente, não houve acordo formal. Foram
adesões por telex.
Numa avaliação equivocada de que aquela era uma crise de liquidez,
imaginou-se que essa seria a solução decisiva para vencê-la. Como o país
não cumpriu as metas do acordo com o FMI logo no início de 1983, não
recebeu os desembolsos no prazo esperado. Essa foi a fase I do programa
de financiamento. Viriam várias outras.
Um dia, Wriston, presidente do Citi, disse que os bancos não
continuariam com aquela rede de segurança, que estava ficando um negócio
longo demais, o Brasil não encontrava uma solução, e determinou a
Rhodes que a suspendesse. Galvêas estava em Nova York. “Saí feito um
desesperado atrás do Wriston. Fui atrás da secretária dele, o Rhodes
também foi procurá-lo e descobrimos que ele estaria num coquetel às 17
horas, em Long Island. Conseguimos o telefone do local, ele atendeu e eu
disse: ‘Wriston, nós estamos no meio do processo. Se interrompê-lo,
você será responsabilizado. Você é apenas um dos dez bancos e não pode
sair’. Depois de muito apelo, ele respondeu: ‘Fale com o Bill Rhodes. Se
ele concordar, tudo bem’. Estávamos no gabinete do BB, o Rhodes ao meu
lado. Eu olhei pra ele e disse: ‘Olha aí, ele disse que, se você
concordar, continua’. Veja a que ponto chegou! Eu estava desesperado! E a
situação só piorava!”, completou o ministro.
O empréstimo de US$ 1,2 bilhão que o BIS fez ao Brasil em fins de
1982 vencia no primeiro semestre de 1983 e deveria ser pago com uma
parte do empréstimo do FMI.
Freitas estava em Paris, tentando descontar alguns títulos do Finex
(Fundo de Financiamento à Exportação), quando recebeu uma ligação de
Langoni, que disse: “Aproveita que você está aí, vá até a Basileia e
avisa ao BIS que não temos como pagar”. Freitas telefonou para sua
contraparte no BIS e falou que gostaria de fazer uma visita. “Ele
organizou um almoço com um dos diretores do BIS. Eu comecei com a minha
velha conversa de ‘cash flow’, veja bem… na verdade…, as exportações
neste mês foram uma frustração’. A reação do diretor foi péssima. Disse
que o país era irresponsável, inconsequente. Eu, diplomaticamente, fiz
cara de paisagem. Depois, pagamos direitinho”, relatou Freitas.
As conversas com o FMI prosseguiram e chegou-se a um novo acordo em
setembro de 1983. A recessão se instalou no país e a inflação só
crescia. Em agosto, numa das reuniões com a missão técnica do Fundo, os
economistas brasileiros defenderam a adoção do déficit operacional em
lugar do déficit nominal das contas consolidadas do setor público. A
inflação era alta demais e não cairia abruptamente num curto espaço de
tempo. No conceito operacional, os efeitos da inflação sobre as contas
públicas seriam subtraídos.
No dia 1º de setembro, Langoni deixou o BC e foi substituído por
Afonso Celso Pastore. No dia 6, a Igreja Católica, em São Paulo,
convocou uma grande manifestação popular “contra a exploração” do FMI. O
terremoto econômico aumentava o fosso entre a sociedade e o regime de
1964. Mas não comprometeu o curso da abertura política.
Pastore retornava de uma viagem a seis países para conversar com os
bancos credores do Brasil quando o Congresso derrubou o decreto 2.045,
que desindexava parcialmente os salários. Essa era uma peça-chave dos
entendimentos com o FMI. Em 20 de outubro, o presidente Figueiredo
enviou uma versão mais moderada da medida e Pastore voltou a Washington
para renegociar as metas do programa com o Fundo. De Larosière aceitou a
nova versão da desindexação salarial, mas pediu mais aperto monetário e
mais medidas de restrição fiscal.
O governo fez uma contraoferta: se comprometeria com um superávit
operacional de 0,3% do PIB para 1984. Metodologia e meta de déficit
operacional foram aceitas pelo Fundo. Em 22 de novembro, a carta de
intenção revisada é aprovada pela direção do FMI. No dia 23, o Clube de
Paris – onde se renegociam as dívidas de governo a governo – reescalonou
US$ 2,7 bilhões em dívidas brasileiras e estava fechado o pacote de US$
6,5 bilhões dos bancos privados, depois de muito esforço. Foi detida a
hemorragia.
O governo Figueiredo não poupou cartas de intenção e pedidos de
“waiver” ao FMI. Na verdade, todos sabiam que os critérios de
performance arrancados do governo brasileiro pelo FMI eram impossíveis
de ser cumpridos. O fundo sabia, o governo americano sabia e o
brasileiro, também. Mas era importante manter os sucessivos acordos. Com
eles, os bancos estrangeiros teriam uma fundamentação legal para não
provisionar aquelas dívidas.
Hoje, Delfim Netto diz que tirou um ensinamento desse processo: “Você
tem que levar as coisas até a beirada do abismo. No fim sai um acordo
razoável”.
O custo desse ajuste para o país foi cavalar. De 1983 a 1985, o
Brasil transferiu em recursos reais para o exterior cerca de 15% do PIB.
Foram 2,7% do PIB em 1983, 6,24% em 84 e 5,54% em 85. A taxa de câmbio
desvalorizada foi crucial para virar as contas externas. Na balança
comercial, que em 1982 teve um superávit de US$ 780 milhões, em 1983 o
saldo subiu para US$ 6,47 bilhões e em 1984 dobrou para US$ 13,09
bilhões.
O déficit em transações correntes que atingiu US$ 16,27 bilhões em
1982, praticamente zerou: caiu para US$ 94,9 milhões em 1984. As
reservas cambiais voltaram para US$ 12 bilhões.
“Fizemos das tripas coração”, respirou aliviado o ex-ministro da Fazenda, ao fim da conversa com o Valor, no seu gabinete na Confederação Nacional do Comércio, no Rio, onde ainda trabalha.
No governo Figueiredo, o Brasil ficou mais pobre. O divórcio entre o
setor privado e a tecnocracia se aprofundou. Os movimentos de massa, que
haviam emergido no governo Geisel, saíram às ruas. E tudo isso
convergiu para a campanha das “Diretas Já” em 1984.
Em 25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé, em São Paulo, um milhão de
pessoas reuniram-se num comício exigindo eleições diretas para a
Presidência da República, previstas na proposta de emenda constitucional
Dante de Oliveira. Em votação no Congresso, em 25 de abril, a emenda
foi rejeitada.
Tancredo Neves foi eleito presidente da República em 15 de janeiro de
1985, pelo colégio eleitoral. As contas externas do país estavam mais
equilibradas e a economia voltava a crescer. Após a retração de 2,93% em
1983, o PIB cresceu 5,4% em 1984 e 7,85% em 1985. A inflação, porém,
alcançava 220% em 12 meses.
“Ninguém passou o governo para o Tancredo. Quem passou o governo para
o Tancredo fui eu, na casa do Dornelles (Francisco Dornelles, sobrinho
do presidente eleito e ministro da Fazenda do novo governo) em
Brasília”, disse Galvêas. “Nós nos reunimos e eu passei tudo que
tínhamos, os contratos, o acordo com o Fundo Monetário. Ele queria me
dar uma carta, dizendo que cumpriria todos os acordos que nós fizéssemos
com o FMI, com os bancos privados. Disse que seria importante ele
indicar um ministro para fazer essa negociação. De Larosière estava em
Estocolmo e receberia essa pessoa. Ele apontou: ‘Vai o Dornelles’. Aí vi
que o Dornelles seria o ministro da Fazenda.”
Para evitar o assédio da imprensa, Dornelles preferiu esperar o
diretor- gerente do FMI retornar a Paris. “Tenho uma filha lá e vou
visitá-la”, explicou.
Dornelles conversou com De Larosière, assegurou que o governo daria
sequência aos acordos, pediu que ele mantivesse o programa com o Brasil e
os quatro projetos com os bancos privados, dos quais era o fiador. Era
compromisso do novo governo. “Vou pensar”, respondeu De Larosière. Pouco
depois, ele suspendeu os entendimentos e disse que tinha que aguardar o
novo governo – atitude que irritou os bancos privados, o governo que
saía e o que assumiria.
“Ele resolveu aguardar o Tancredo e o Tancredo não veio nunca”, comentou Galvêas.
Passaram-se muitos anos até o país conseguir reestruturar a dívida
externa e voltar ao mercado financeiro internacional. A morte de
Tancredo Neves e a posse do vice-presidente José Sarney levaram o Brasil
a outro rumo. O Plano Cruzado desembocou na moratória unilateral da
dívida, em fevereiro de 1987.
Carlos Eduardo de Freitas era diretor da área externa do Banco
Central durante a gestão de Dilson Funaro no Ministério da Fazenda. “A
moratória tornou-se imperativa, porque não havia vontade política de
fazer sacrifício interno para poder pagar a dívida externa”, disse
Freitas.
Depois de Dornelles e Funaro, o governo Sarney teve mais dois
ministros da Fazenda: Luiz Carlos Bresser Pereira e Maílson da Nóbrega,
que conseguiu firmar um contrato “stand-by” com o FMI por 19 meses, e
teve que fazer uma moratória “não declarada” da dívida em julho de 1989.
No fim de um governo que produziu o Plano Cruzado, o Plano Bresser, o
Plano Verão e a moratória, a inflação, medida pelo IGP-DI, acumulava
variação de 1.783%, jogando o déficit nominal consolidado do setor
público para 83,1% do PIB. Foram tempos caóticos.
A Constituição de 1988, por outro lado, tinha como principal direção o
resgate da dívida social que o país acumulava ao longo de sua história.
Em março de 1989, o governo americano apresentou uma proposta que
apontava a saída para a crise da dívida. O secretário do Tesouro,
Nicholas Brady, colocou na mesa a securitização da dívida, numa operação
que envolveria o desconto de cerca de 30% no valor dos débitos.
Doze anos após a moratória mexicana, o governo brasileiro conseguiu
assinar, em abril de 1994, o acordo de renegociação da dívida com os
bancos credores, com desconto e prazo de pagamento de 30 anos. Desta
vez, sem acordo com o FMI, que não quis dar suporte ao Plano Real. O
longo período de agonia foi uma solução para o provisionamento dos
bancos credores. Em 1995, depois de longa ausência, o Brasil voltou ao
mercado financeiro internacional para captar recursos.
Uma sequência de crises internacionais – novamente o México, em 1994,
a Ásia em 1997, a Rússia em 1998, além da Argentina, produziu forte
redução dos créditos externos ao país, que teve que bater às portas do
FMI, mais uma vez, em outubro de 1998. Com as negociações concluídas, o
Brasil recebeu em novembro o maior plano de socorro então elaborado pela
instituição: US$ 41,5 bilhões.
Em agosto de 2002, diante das incertezas decorrentes das eleições
presidenciais no Brasil, o governo de Fernando Henrique Cardoso, de
comum acordo com os candidatos à sua sucessão, solicitou o cancelamento
do acordo em vigência, que terminaria em dezembro, e negociou um novo
“stand-by”, de 15 meses de duração, deixando US$ 30 bilhões à disposição
do novo presidente. Luiz Inácio Lula da Silva assume e, no fim do
acordo então em curso, negocia um outro entendimento com o FMI, a título
de precaução.
Foram sete acordos com o FMI, entre o último governo militar e Lula.
Em 28 de março de 2005, Lula anunciou que não renovaria o acordo com o
FMI e em dezembro pagou antecipadamente a dívida de US$ 15,5 bilhões com
a instituição. Em janeiro de 2008, o Brasil passou a ser credor líquido
externo, com reservas cambiais superiores à dívida externa.
O Brasil, hoje, é outro país. Não sofre as vulnerabilidades daquele
tempo. Mas, desde então, não conseguiu encontrar o caminho do
crescimento sustentado que, atualmente, esbarra na baixa expansão da
oferta.
Figueiredo deixou a Presidência em março de 1985, pedindo ao povo que
o esquecesse. Com o naufrágio da economia, a democratização do país foi
seu passaporte para a história.
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