Zé do Chapéu era como todos o chamavam e reconheciam em Brasília. Nem
dava para ser diferente. Viajando em seu exuberante Lear Jet PT-OCA, no
qual carregava políticos por todo o Brasil, falando alto e grosso,
sempre com pressa, José Eduardo de Andrade Vieira vivia à sombra de um
imenso chapéu branco do melhor estilo cowboy. Em abril de 1997, numa das
operações mais polêmicas do governo Fernando Henrique Cardoso, ele teve
seu banco, o Bamerindus, vendido pelo Banco Central ao inglês HSBC,
após ter sofrido intervenção. Com mais de R$ 10 bilhões em ativos, 1,2
mil agências, 3,1 milhões de correntistas e uma das mais rentáveis
seguradoras do país, saiu pelo preço de R$ 381,6 milhões.
A revista Veja, em reportagem publicada cinco meses depois,
considerou a operação como "um presente" em título, "uma doação" no
corpo do texto. Fernando Henrique era o presidente da República, Pedro
Malan seu ministro da Fazenda e Gustavo Franco, o presidente do Banco
Central.
Veja registrou o seguinte:
"O Bamerindus foi doado da seguinte maneira: os ingleses darão os
381,6 milhões ao BC, em troca de 1 241 agências, ativos de mais de 10
bilhões de reais e uma das seguradoras mais rentáveis do país. Pagarão
em sete anos, o que já é uma facilidade. Na surdina, o HSBC recebeu
431,8 milhões de reais do BC para reestruturar o Bamerindus e saldar
reclamações trabalhistas".
Em seguida, o complemento:
"Além de agências, prédios, depósitos e perspectiva futura de lucro, o
HSBC ainda recebeu um troco de 50,2 milhões". A reportagem foi assinada
por Franco Iacomini e Expedito Filho.
Em 2000, quando já havia perdido o seu banco para o HSBC, Zé do
Chapéu resolveu contar um pouco do que sabia da campanha de eleição de
Fernando Henrique para a Presidência da República, em 1994, da qual
havia sido o maior doador. Os recursos injetados lhe valeram a
titularidade do Ministério da Indústria e Comércio.
"Foram arrecadados 30 milhões no caixa oficial e cerca de 100 milhões
de reais de contribuições extra-oficiais, ou seja, sem recibo", afirmou
o ex-ministro, de acordo com reportagem da mesma revista Veja, de
agosto de 2000, a respeito da campanha de 1994. "Andrade Vieira insinuou
ainda que o dinheiro foi enviado a um paraíso fiscal: "Provavelmente
está no exterior. Debaixo do colchão é que não está". Para completar,
disse que Sergio Motta cuidava das "compras e pagamentos do presidente",
responsabilidade repassada a Eduardo Jorge após sua morte".
Fernando Henrique respondeu em entrevista, dizendo que a afirmação
era mentirosa. A respeito das doações feitas por Zé do Chapéu à sua
campanha, a entrega a ele de um ministério e posterior quebra do
Bamerindus em operação nebulosa, FHC saiu com essa, em declaração a O
Globo: "Eu sei separar as coisas".
Hoje, Andrade Vieira vive do pouco que sobrou de seu patrimônio que,
nos tempos áureos, foi estimado em US$ 200 milhões: uma fazenda a 380
quilômetros de Curitiba. Ali, plantava milho quando foi supreendido pelo
telefonema de um jornalista do Valor Econômico, com a informação de que
o que restou do Bamerindus em poder do Banco Central (a banda pobre não
vendida pelo BC de FHC ao HSBC) estava indo parar, outra vez por menos
de R$ 500 milhões, nas mãos do esperrrto banqueiro André Esteves, do BTG
Pactual.
"Sabia que esse negócio iria interessar a quem tem muito imposto a
pagar", disse o velho Zé do Chapéu. "Mas eu não fiquei sabendo de nada.
Minha televisão estragou". Ele pode ter algum recurso a receber nessa
última venda, mas iguamente não sabe dizer quanto. O certo é que, na
operação completada agora, tudo o que se apurou nas duas vendas do
Bamerindus de R$ 10 bilhões em ativos não chegou a R$ 1 bilhão.
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